DEZ GRAÇAS

Aos dentes de leite plantados no telhado. 
Ouvindo Frank Zappa - Camarillo brillo. Madrugada fria.
Eu abri os olhos bem no meio da escuridão. Fiquei esperando que a visão
fosse se acostumando com o ambiente para saber bem
aonde eu estava.
Aonde eu estava bem me parecia uma cama de varas
uma cama sem colchão
nada dos olhos enxergarem alguma coisa, mas que curioso
ainda não consigo me mexer mas a sensação é de que estou livre 
posso sentir meu corpo totalmente
meus braços estão juntos ao corpo e minhas pernas também estão coladinhas uma na outra e esticadas, logo terei câimbras, eu sei disso. Um cheiro intenso de pólvora muito forte e abafado.
Não faz calor, mas também não faz frio. Eu posso sentir que não estou só. Parece que tem alguém por cima de mim, mas também por baixo e dos lados e é só isso. Mas não consigo ver nada por causa dessa escuridão danada. Não estou preocupado com isso, ao contrário, estou bem tranquilo e conformado. 
Uma luz se fez de repente.
A árvore de natal pronta na sala e suas lâmpadas coloridas acenderam e começaram a piscar. Foi bem rápido. É Natal. Aonde foram todos? Devo rezar para algum deus nesse instante ou somente esperar sua misericórdia sem par? Fui tocado e as lâmpadas trouxeram uma segunda fonte de luz bem rápida tal e qual um acidente. Meus olhos ainda não se acostumaram com a escuridão e esse cheiro de pólvora...
  Dava para ouvir o barulho de panelas e de pratos sendo arrumados sobre uma mesa, talvez. Vozes. Devemos estar na cozinha ou em uma sala, talvez. Ouvi fogos de artifício e desta vez as luzes invadiram demoradamente me fazendo perceber que eu já não sou um ser humano, sou um palito de fósforo livre vivendo a vida! A demora me fez conhecer outros amigos, alguns bem familiares, outros nem tanto. Ouvi alguém chorando. Parecia uma criança - aqui? - Havia mais espaço agora e fui me afastando para os lados e caindo em direção ao choro. Oi. Não ouvi resposta. A luz voltou e vi seus cabelos vermelhos brilhando sob a luz bem rápida. Vi lágrimas e senti que a pólvora estava molhada. Ouvi: Vão me lançar fora, não vou concluir minha jornada. Meu marido me deixou hoje cedo nas primeiras luzes e eu sei que assim, molhada, nunca vou acender. Escutei e prendi meu sorriso. Na verdade eu queria gargalhar e fumar um cigarro, mas ali, com aquela pessoa estranha e triste não seria bem o local e a hora adequados. Me encostei mais e colei meu corpo bem juntinho ao dela - ela aceitou - transamos ali mesmo. Ela me beijou fiquei muito calmo. Fomos nos esgueirando para a parte de baixo e nos amamos outras vezes. A nona vez que a luz veio levou uns quatro do andar de cima... ficamos expostos. Perto demais de concluirmos nossa jornada. Amando e sendo amado. Ouvi uma voz forte. Ela se afastou e demorou para voltar naquela noite eu fiquei só. Agora havia brechas e fachos de luz por todos os lados e muitos que ali estavam ainda bebiam, fumavam, ascendi um baseado e fiquei observando da minha constelação de pontinhos vermelhos o quanto nada disso valia a pena. Cedo da manhã estávamos submersos dentro dàgua. Agora somos bem poucos e estamos nos aquecendo ao sol. Ela desapareceu. O vento forte e o sol na cara direto e sem pena me cegaram a visão. Voltei ao meu estado de escuridão e inercia. Senti minha cabeça batendo forte uma, duas, três e um calor enorme tomou conta de mim. Não lembro de mais nada.  

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