MAIS UM DIA NA VIDA DE UM ANIMAL

Ao acordar e sempre abrir os olhos

pela manhã

antes de sair para a caminhada rotineira e necessária

adormeço mais uns minutos

quero me atrasar

quero esperar o sol ficar me esperando

quero que a linda mulher não me veja hoje

quero que as ruas estejam sujas e normais

quero esperar mais um tempo

aqui 

comigo.

Eu sei.

Lá fora as coisas estão como sempre foram.

As Terças, Quintas e Sábados o caminhão do lixo recolhe o que desperdiçamos.

Escuto o apito do trem.

Alguém gritou lá fora que o Palmeiras ganhou.

As moscas estavam quietas hoje.

O mercadinho que abre depois das 6:30 para receber o pão é cumpridor da rotina também.

As estudantes, as funcionárias das lojas dos shoppings centers estão lavando seus cabelos e apresadas, como sempre.

Os motoristas de coletivo estressados, contam os dias como quem conta passageiros.

Nada está diferente neste dia.

Mas eu aguardo mais alguns instantes.

minha esposa sai para seu trabalho, um beijo, me reviro no colchão espojado no meio da sala - nosso jirau - que ela chama de chiqueiro.

O dia é quente. Poeira e chão vermelho.

Resolvo fazer minha rotina engrenar e a primeira coisa que providencio é ir no banheiro mijar. 

Dobro os dois lençóis, enrolo, e separo no sofá, levanto o colchonete do chão e o carrego pra cima da cama lá no quarto.

Deixo tudo em cima da cama.

Agora vou me drogar.

Uma drágea pro xixi, duas pro coração, duas pro estômago, duas pro colesterol, duas pra secar a barriga, um copo de água com limão e por fim, o dia se abre como se uma bomba explodisse  dentro de minha cabeça com todo esse azedo do limão.  

As vezes eu cago antes de sair, as vezes eu deixo pra volta. Escovo os meus dentes. Visto a farda. Calço os tênis.Bebo água, como uma banana. E vou bater de frente com o sol. Saímos juntos. Uma hora e meia depois eu estarei de volta.